segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Povo da Fúria - Cap 3 - sequencia 3

A pequena canoa flutuou rio abaixo, sendo levada graciosamente pelas águas calmas do Rio Tir. Sentado em sua pequenina embarcação Jurimik, observou-as pela segunda vez naquela manhã e pensou em como a vida poderia ser parecida com as águas de um rio. Em um minuto calmas, em outro agitadas, sempre sendo afetadas pelo clima, que regia seu comportamento. As águas do Tir eram com uma criança em seus primeiros anos de vida, sossegada em uma noite de sono e furiosa em um dia em que lhe fosse negada alguma regalia que ela considerava ser sua de direito. Da mesma forma a vida das pessoas eram movidas pelos acontecimentos, pelo que elas não podiam controlar. E em um dia como a manhã de hoje elas estariam calmas e sonolentas como as águas do rio que ele navegava, e em outro dia poderiam estar agressivas e vingativas, como o Tir se tornava após um dia de fortes chuvas e ventanias.
                E nos pensamentos de Jurimik ele se considerava o vento e a chuva, pois ele tinha intenções que não sabia se as pessoas aceitariam. No entanto em seu íntimo ele já havia decidido.
                Quando após longos minutos sentado na pequenina embarcação ele chegou a uma curva do rio que parecia represada por muitos galhos, o senhor de barbas brancas avistou algo familiar a seus olhos, ele sabia que havia chegado ao local que procurava.
                Usando de seu remo pela primeira vez ele guiou a embarcação de encontro as galhadas e ancorou em um local seguro. Saltando para fora da canoa, suas botas encharcaram-se na água que chegou até seus joelhos e com dois saltos ele chegou a margem, puxou sua canoa que estava firme a seu corpo pela corda de cânhamo fino amarrada a proa dela e ligada a seu pulso, e fixou-a em local seguro.
                Recolhendo com cuidado a enorme pele de urso o taverneiro se pos de pé e adentrou os domínios da Floresta Espiritual, que ficava ao norte da aldeia. A imensa mata era assim chamada por causa da quantidade de espíritos protetores que ela abrigava. Mas na verdade a floresta era lar verdadeiramente de orglashses e thomiis, o primeiros eram criaturas que pareciam o próprio vento, pequenos furacões com vida que poderiam crescer e causar grandes destruições em seus devaneios, os segundos eram homens rochas, criaturas pequenas e gigantes que se confundiam com rochedos, e que esmagavam com facilidade seus inimigos. E evidente como em qualquer outro lugar em Rashmen haviam os telthors, os espíritos protetores daquele país.
                Jurimik chegou a um pequeno santuário às portas do rio e nele, ajoelhando-se, orou. Em suas preces o taverneiro em primeiro lugar pediu a sua deusa que guiasse seus atos, depois pediu respeitosamente para que os espíritos da floresta o acolhessem bem. Era comum para o povo de Rashmen, antes de entrar em qualquer floresta, prestar homenagens a seus protetores, pois todos reconheciam as importâncias daquelas criaturas.
                Muitos contos e lendas em Rashmen, em suas narrativas colocavam as criaturas como verdadeiras heroínas, pois não raras vezes elas vieram em socorro dos rashemis para enfrentar seus inimigos.
                Feita a oração, o homem seguiu seu curso até a pequena tanoaria que se encontrava por entre os galhos, ele não precisou ir longe, pois ela se estava bem próxima ao pequeno santuário de Mielikki, de fato tanto a tanoaria quanto o altar foram construídos pelo pai de Toul, quando este ainda era jovem.
                Adentrar a tanoaria fez Jurimik sentir-se jovem novamente. Ele lembrou que quando se mudara para Taporan,  seguidamente vinha a este local por a obras seu ofício.
                Enquanto que a maioria dos guerreiros se empenhava na fabricação de armas de combate e em arquearia, o taverneiro, aprendera de pequeno através de sua mãe a arte do curtimento e da costura. Ele aprendera coisas básicas no início, mas rapidamente usando seu raciocínio e suas habilidades no combate ele percebera o quanto poderia esta profissão lhe ser útil. No entanto os homens nunca viram com bons olhos este oficio que consideravam ser trabalho de mulher, mas Jurimik nunca se importara com a opinião alheia, na verdade até gostava do fato, pois sempre pode usar seus dons apenas para si e um ou outro companheiro que o toleravam.
                Ao desenrolar a pele de urso sobre a enorme mesa de corte, o Taverneiro se pôs a contemplar a pele de urso, e ao acaricia-la foi levado no tempo anos de volta a seu passado.
                Naqueles dias gloriosos, em que era um grande guerreiro, Jurimik usara essa mesma arte para seduzir uma mulher tão bela que sua simples visão conseguiu apagar tudo o mais que o antigo guerreiro poderia querer sonhar a ver. De sua arte, nasceu um amor tão lindo quando proibido, e desse amor nasceu Toul.
                Infelizmente as tradições de Rashmen não eram as mais tolerantes para seu crime e Jurimik partiu de seu lar, com seu filho nos braços para iniciar nova vida em Taporan. Seguido por seu amigo Mulin na época, ambos trilharam por caminhos diferentes na pequena a aldeia e hoje passados todos estes anos Mulin chefiava a Casa do Lobo e Jurimik a taverna de Taporan.
                Os pensamentos foram rapidamente desaparecendo da mente do velho a medida que ele abriu uma pequena caixa de madeira, dentro dela, seus antigos pertences ainda se conservavam exatamente intocados, ao dia em que foram guardados.
                Ele os depositou sobre a pele do urso e então se deitou no chão. Jurimik sabia que o abandono de um lar como aquele por tanto tempo poderia lhe ser prejudicial. Ele poderia ter sido encontrado por qualquer um que revistando o local poderia te-lo saqueado. Por isso seu maior bem não encontrava-se à vista para qualquer invasor tomar posse dele. A pequena cabana que possuía de parede de fundo uma enorme rocha segmentada, possuía um segredo. Deitado o homenzarrão, confundia-se com a própria rocha tamanha era a disposição de seus músculos torneados. Ele esticou seu braço por uma fenda e várias vezes retirou a sujeira acumulada e inclusive um ou dois sapos que fizeram seu lar no caminho de seus pertences escondidos. Por fim com o caminho desobstruído ele tocou a um quarto do comprimento de seu braço o tubo que se encontrava solitário em uma cavidade que mesmo o melhor ladrão não encontraria tão facilmente se a estivesse procurando.
                Um suspiro aliviado surgiu do taverneiro que por um momento se assombrou com o fato de que seu tesouro pudesse não estar mais ali.
                Sentando-se a base da mesa ele recostou-se no paredão de pedra e abriu o tubo vagarosamente sacando fora sua pequena parte superior.
                Abrindo a palma de sua mão ele virou a parte longa da embalagem de cabeça para baixo deixando escorrer seu conteúdo interior para o exterior novamente.
                Quatro runas anãs e dois pergaminhos se depositaram sob a enorme mão do bárbaro. O homem fechou os olhos por um minuto pensando em quantas vezes havia adiado o que estava por fazer. Sempre tomado de medo, nas vezes anteriores, o pai de Toul desistira desse ritual tantas vezes quanto conseguia se recordar. Mas desta vez era diferente. Jurimik, lembrando-se de todas as outras vezes em que tentou; elas foram abdicadas em favor de um dia em que se faria mais necessário. Esse sempre foi o pensamento que o acompanhava e o fazia desistir. Mas o dia finalmente chegara.
                Erguendo-se novamente, ele organizou os itens em uma pequena mesa adjacente e após ter escolhido agulha e linhas, pegou um tesourão de aço que lhe fora presenteado por um elfo das estrelas em determinada aventura de sua juventude, e iniciou seu trabalho.
                As lâminas afiadas e prenseis cortavam a pele com relativa facilidade mas os dedos do servidor de cervejas de Taporam seguravam firme e forçavam seu caminho e desenhos por entre a enorme pele que, esperava ele, desse para fazer duas peças distintas. Uma que presentearia a Jekita e outra que daria a seu filho Toul.
                O trabalho de corte e preparação lhe tomara mais tempo do que imaginava, apenas no meio da tarde, o taverneiro acabara o que inicialmente acreditou que levaria até o inicio da manhã.
                Sem comer nada ele estremeceu com o pensamento de que talvez não fosse capaz de realizar o que planejara, mas insistindo, superou seus desejos físicos e deu continuidade a seu trabalho.
                De agulha e linha em mãos deu início ao trabalho para unir as peças. O cuidado era tanto que Jurimik procurava nem respirar para pregar aquele item que em sua mente iria se tornar sua obra-prima.
                Com a noite alta e cansado dos esforços que, o dia de trabalho lhe colocara a prova, Jurimik finalmente havia concluído uma parte satisfatória do que havia começado pela manhã. Dois itens de beleza incomparável se encontravam sob a mesa, um cinturão duplo feito, com catorze compartimentos diferentes para Jekita e ao lado dele um gibão, para Toul, ambos feitos com a pele do urso.
                O gibão, uma peça de vestuário que imitava um colete, mas todo feito de peles, era normalmente uma das peças básicas do vestuário bárbaro. A  peça confeccionada por Jurimik poderia ser dita por qualquer um que era um gibão, mas o que não se poderia dizer é de que era um gibão comum. Em seu peito a enorme carranca do urso fora usada para completar seu modelito, e suas costas eram forradas com passadas duplas de pele, que eram reversíveis. De um lado elas trabalhariam em conjunto podendo reter mais calor e de outro exporiam seus ares mais brandos para que se tornasse refrescante no verão.
                Duas peças como nenhuma outra. Mas até aí, nada de mais. Jurimik era perfeito no que fazia, nenhuma peça que confeccionara antes em sua vida tinha qualidade inferior, nem era menos bela. Todas eram, sim, diferentes e especiais a sua maneira. Mas algo a mais iria ser feito naquela noite.
                E para isso o taverneiro se preparou por toda uma vida, e agora em que via o momento se aproximar, não tinha certeza se era capaz de faze-lo, no entanto mesmo munido de incertezas, fome e exaustão, iniciou o preparo para iniciar a terceira e última parte de seu ritual.

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